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O Complexo Materno


O COMPLEXO MATERNO E O FEMININO EMERGENTE.
RESUMO
A finalidade deste artigo é compreender a influência do complexo materno na emergência do feminino, ou seja, de que forma o complexo materno suscita habilidades ou deficiências na maneira de a mulher experienciar o mundo.
Tenho como objetivo entender que recursos uma mulher encontra para enfrentar sua realidade objetiva quando há indicadores da interferência de um complexo materno. Busco, também, conhecer quais as soluções a mulher tende buscar para sua vida e qual o significado que dá às escolhas que faz. Para isso, utilizo o referencial junguiano.
PALAVRAS-CHAVE
Arquétipo; feminino; complexo materno; mito.
ABSTRACT
The purpose of this paper is to understand the influence of the maternal complex in the emergency of the feminine, that is, how does the maternal complex raises abilities or deficiencies in the woman's way of experiencing the life.
It looks for an understanding of the means the woman resorts to in order to face her objective reality when undergoing interferences of the maternal complex. A quest is also made into to the solutions the woman is to likely to adopt for her life and what is her own analysis of her choices. The study follows the jungian approach.
KEY WORDS
Archetype; feminine; complex motherly; myth.
O COMPLEXO MATERNO E O FEMININO EMERGENTE.
INTRODUÇÃO
A justificativa desse estudo está em ampliar o conhecimento acerca da integridade da vida individual e coletiva do feminino, através do reconhecimento e do significado dos temas arquetípicos e da influência do complexo materno na mulher. Serão levadas em consideração as perspectivas individuais e coletivas, pelo fato de serem inerentes, respectivamente, à estrutura dos complexos e dos arquétipos.
A discussão, que abordo a seguir, sobre os conceitos de arquétipo, feminino, complexo materno e mito serve como base para o entendimento deste trabalho.
No sentido platônico, arquétipo seria uma “idéia” preexistente. Contudo, no decorrer histórico, essa idéia adquiriu caráter secundário, uma vez que, na ciência foi havendo uma crescente valorização da mente científica e uma relevância do empirismo, o qual considera tudo o que vem de fora e que pode ser verificável como tendo real valor. Mais tarde, Kant apresenta modificações para a concepção de empirismo e, de certa forma, revive a “idéia” platônica, esclarecendo que qualquer conhecimento empírico está, antes de qualquer coisa, ligado à uma idéia preexistente (Jung, 1934/2000a).
Deste modo, tendo sido fortemente influenciado pela filosofia, Jung constrói sua idéia de arquétipo como uma estrutura psíquica. Em 1919 Jung introduziu o conceito de arquétipo, trazendo a idéia de que as imagens primordiais humanas são transmitidas ou herdadas. Em seus escritos, caracteriza o arquétipo como “sistemas vivos de reação e prontidão que, por via invisível e, por isso mais eficiente ainda, determina a vida individual” (1921/1991, p. 173).
O arquétipo é um conceito formal, um arcabouço, preenchido com idéias, temas e vivências. A forma do arquétipo é herdada, mas o conteúdo não, pois não depende de mudanças históricas e ambientais, sendo, sempre determinado pelo indivíduo. É importante, também, salientar que, em suas polaridades, todos os arquétipos contêm, em si, um aspecto sadio e um patológico (Jung, 1934/2000a).
Para conceituar o arquétipo, Jung (1921/1991) referiu-se a vias herdadas que conferem ao ser humano um padrão de comportamento, como uma espécie de norma biológica na atividade psíquica. Pelo arquétipo, percebe-se que há um fator independente da experiência em nossa atividade humana, o qual é estrutural e inato na psique, sendo, dessa forma, pré-consciente e inconsciente. Os arquétipos, por serem estruturas universais, estão imersos no inconsciente coletivo e atuam alternadamente na personalidade do indivíduo. Há, portanto, correspondência entre o inconsciente coletivo e o indivíduo.
O autor enfatiza que, na infância, logo que começam as primeiras manifestações visíveis da vida psíquica, podem-se observar as particularidades de uma personalidade singular. Têm-se, assim, os aspectos individuais e coletivos funcionando em consonância.
Outros elementos consonantes são mitos e arquétipos. Os mitos fazem parte da história da humanidade e são representados por meio de manifestações arquetípicas no indivíduo, isto é, são a expressão do imaginário e a evidência dos arquétipos que em si, são incognoscíveis. O mito permanece sempre um mito e Jung (1935/2000b) menciona que este tende a transformar-se no decorrer do tempo, quando deixa de ser um objeto de fé. Desta forma, o mito precisa ser recontado para que seja reavivado em uma nova interpretação.
De acordo com o autor, a introspecção nos insere no mundo mítico e através do mito, entendemos o cotidiano. Os mitos não são, portanto, idéias, mas dados instintivos que funcionam como uma espécie de padrão de comportamento mental que faz parte da natureza humana.
Seabra (2003) enfatiza que os mitos são histórias verdadeiras e refletem a camada mais profunda e perene do psiquismo humano. 0 mito é um dos acessos à realidade arquetípica, sua história é nossa antes de a termos conhecido. Entramos no mito toda vez que em nossa vida nos confrontamos com o que está no inconsciente coletivo. A autora relata, ainda, que mito e cotidiano estão entrelaçados e nos tocam por terem características tanto positivas como negativas.
Do ponto de vista de Pieri (2002), Jung considera o mito uma forma de pensamento autônomo e de organização cognitiva do mundo. Nos mitos estão inscritos em códigos todo o conhecimento e a competência que o homem já experimentou, em uma linha de tempo e espaço que se traduz como “desde sempre”. O mito é o emblema da atividade psíquica e a demonstração do inconsciente coletivo e de seus respectivos arquétipos.
Conforme Neumann (2001), a psicologia analítica entende o arquétipo como algo dinâmico, com componentes emocionais e simbólicos em sua estrutura. Por dinâmica, entende-se a influência dos arquétipos na psique e sobre nossas emoções, nossos sentimentos e nossas projeções que uma vez ativados, podem tomar conta da personalidade, mesmo sem a aquiescência da consciência. O comportamento humano inconsciente é determinado pela dinâmica do arquétipo. Já o caráter simbólico da psique tem como característica, gerar imagens que atuam profundamente sobre a consciência, suscitando a atenção desta para que seu efeito seja eficaz e gere transformações.
Samuels (1989) explica que os arquétipos também são vistos como entidades psicossomáticas, ocupando uma posição intermediária entre instinto e imagem. Dessa forma, tendo o homem instinto de sobrevivência, também é compelido a tornar-se mais verdadeiro.
Jung (1928/1991) refere-se à psique como auto-reguladora, pois ela tende a distribuir sua energia, buscando equilíbrio e levando o indivíduo a tornar-se mais autêntico e realizado. A imagem arquetípica representa e evoca o instinto, e o arquétipo determina a natureza do processo de configuração e o rumo que ele seguirá, objetivando a auto-regulação. Se todo o fundamento da experiência humana está nos arquétipos, então se pode depreender a imensidade do mundo arquetípico. O arquétipo materno é apenas um deles; no qual me deterei, adiante, para trazer maiores subsídios ao tema deste artigo.
Esclareço que, quando tratar do arquétipo materno estarei me referindo a uma imagem interna atuando na psique e não a algo literal.
Como todo o arquétipo, o arquétipo da grande mãe tem em suas polaridades, tanto aspectos positivos quanto negativos, que pode apresentar-se de inúmeras formas, revestido por uma infinidade de imagens. Jung (1934/2000a) menciona que as representações mais características são: a mãe e a avó, a madrasta, a sogra, a ama de leite, mulheres com quem nos relacionamos. No sentido de uma transferência mais elevada temos a mãe de Deus; em um sentido mais amplo a igreja, a terra, a matéria, o mundo subterrâneo, a lua; em sentido mais restrito, o jardim, a gruta, o poço profundo; e restringindo ainda mais temos o útero, as formas ocas, o forno, o caldeirão e o túmulo, entre outros.
Assim como os arquétipos, os símbolos também apresentam, em seus extremos, aspectos duais, positivos e negativos. Dessa forma, são atribuídas ao arquétipo da mãe características tanto de acolhimento, cuidado, sabedoria e suporte, como aterrorizantes, obscuras, devoradoras e advindas do mundo dos mortos (Jung, 1934/2000a).
Na figura da mãe, a imagem varia conforme a experiência individual, onde a predominância, aparentemente, parece ser a da mãe pessoal. Não obstante, é do arquétipo projetado na mãe pessoal que surgem os efeitos positivos ou negativos que se refletem nesta. Portanto, os eventos traumáticos, marcados no indivíduo, dão-se muito mais pelas projeções arquetípicas do que pela relação estabelecida com a mãe real, uma vez que as fantasias, freqüentemente superam a ação desta (1934/2000a).
Neste momento, é importante salientar algumas questões relativas ao desenvolvimento da personalidade. No início, apesar de ser ativo, o bebê está numa relação de identidade com a mãe - estágio apontado por Neumann (1990) de urubórico - caracterizado por um pré-ego, que consiste em um estado de onipotência infantil, de uma falta do sentido de limite, numa etapa caracterizada pela inconsciência e pelo desejo de fusão com uma mãe. Esse período diz respeito a uma fase denominada como participação mística, que se assemelha à mente comunitária, termo da antropologia que define o relacionamento com um objeto do qual o sujeito não pode ser distinguido. Jung tomou este conceito emprestado e empregou-o como sendo a condição psíquica da criança que vive em um estado de identificação com o ambiente psíquico dos pais.
Os mecanismos psicológicos primários, ou primitivos, levam a um estado de identificação com o outro e exigem mecanismos intricados para que o ego possa desenvolver-se. A divisão é um destes mecanismos e refere-se à separação em relação à imagem da mãe, referida como “mãe-dual” por ter tanto o aspecto pessoal, como o arquetípico; o real e o simbólico; bom e mau (Neumann 1990).
Essa fase, de indiferenciação, estende-se na criança até, mais ou menos, cinco anos de idade, para depois começar a dar espaço a uma noção maior do eu. Contudo, a condição de indiferenciação, na medida em que se estenda pelo decorrer da vida, impossibilita o processo de construção do eu.
Aquele que vive em participação mística não se diferencia do ambiente em que vive nem daqueles com quem convive. O que ocorre com o outro é sentido como sendo dele próprio, pois quando ainda não há consciência do eu separado das outras coisas, impera a indiferenciação (Malandrino 2000).
Feita esta ampliação acerca do desenvolvimento da personalidade, voltarei ao tema arquetípico, trazendo uma noção do arquétipo do feminino, que se desdobra do arquétipo da mãe.
Junto ao arquétipo da mãe, está entremeado, o arquétipo do feminino, que exerce influências tanto no homem como na mulher. No homem, esse aspecto feminino, foi denominado por Jung (1921/1991) como anima e tem a função de relação no homem com sua própria feminilidade, seus sentimentos, sua espiritualidade, que são delineados tanto pela experiência arquetípica quanto pela vivência pessoal que ele tem do feminino.
Em relação à mulher, o feminino implica nas situações da vivência com o próprio corpo e influencia na relação com o outro. A vivência do corpo é a mais concreta de nossas experiências. Entretanto, ao mesmo tempo em que lidamos com o biológico, nele está implícito o desconhecido e o obscuro, que carregam, em si, todo o mistério e o mundo instintivo do inconsciente.
Havas (1996) assinala que o princípio do feminino está enraizado e desenrola-se do arquétipo da mãe. Enquanto este leva a um estado de indiferenciação e de inconsciência, que impede a discriminação entre o eu e o tu, aquele garante um tipo de identidade feminina consciente, que remete a uma relação criativa com o corpo, acolhendo e nutrindo, numa relação de cuidado e atenção consigo própria e, conseqüentemente, numa inclusão madura no mundo. Há no arquétipo do feminino uma função discriminatória, que serve como base para a construção de uma identidade fundamentada em uma noção ampliada do eu.
A mulher surge de uma matriz na qual percebe semelhanças consigo mesma. O modelo feminino para uma menina é a sua mãe, ou uma figura que lhe substitua. Nesse modelo estão agregados tanto o arquétipo da mãe quanto o do feminino e é no encontro destes, na vivência com a mãe real, que ocorrerão as impressões daquela futura mulher a respeito de si e do mundo. Benedito (1996) salienta que, para a mulher, a sua experiência arquetípica e pessoal, na origem, assemelha-se à da mãe pessoal, com quem acontece a primeira relação de intimidade. O feminino abarca tanto uma experiência arquetípica como uma vivência pessoal e, dependendo destes fatores, poderá ser positiva ou negativa.
Conforme Neumann (2001), existem duas distinções básicas que caracterizam o feminino - que estão em relação mútua e se interpenetram, convivendo ou hostilizando-se e, ao mesmo tempo, sendo essenciais à sua natureza - o caráter elementar e o caráter de transformação do feminino. O caráter elementar do feminino tem como característica mais marcante a conservação do que está estabelecido. Essa característica é natural na infância, em função de ser mais forte quando a inconsciência é predominante. O caráter de transformação do feminino, contrário ao caráter elementar, remete a um movimento psíquico, acarretando na transformação do indivíduo. Este, em um primeiro momento, está submetido àquele, para na em medida que comece a haver uma diferenciação entre o eu e o outro, o sujeito adquira maior autonomia e independência.
Faria & Nicoletti (2002) acreditam que o caráter elementar tende a conservar, para si, aquilo que lhe deu origem - a mãe. Como resultado, o ego e a consciência mantêm-se em estado infantil e o inconsciente permanece dominante. Já o caráter de transformação do feminino contém um aspecto dinâmico que impele o movimento da libido e leva à transformação o estado original. Em um primeiro momento, o caráter de transformação é refreado pelo elementar para que, uma vez surgindo, promova conflito e inquietação, levando a uma diferenciação da condição original para um estado mais amplo de autonomia do sujeito.
A predisposição arquetípica, isto é, o conteúdo do arquétipo que é particular ao indivíduo, tem importante influência no que diz respeito ao caráter de transformação. Se houver uma fixação em algum aspecto da experiência de vida, onde o indivíduo fique preso, terá maior dificuldade em afastar-se da condição original e, por conseguinte, de transformar-se.
Conseqüentemente, é necessário que haja uma separação da grande mãe, para que seja construída uma identidade feminina na mulher. Esse afastamento da grande raiz materna dá origem a uma personalidade almada e com uma permeabilidade maior entre o inconsciente coletivo e a subjetividade individual (Neumann, 2001). A referência feita à alma, anteriormente, diz respeito à idéia trazida por Jung (1928/1991), de que é a alma quem nos faz perceber o mundo e, em razão disto, torna-se indispensável para o estabelecimento de vínculos. A alma opera como um elo de ligação entre o indivíduo e o mundo e está vinculada à identidade pessoal. A perda da alma implica em um desajustamento do ser humano com o seu próprio processo de aquisição de consciência.
Sem alma, não há processo de individuação, pois não pode haver relação, nem vertical, nem horizontalmente, isto é, sem alma o indivíduo não pode se relacionar nem consigo próprio, nem com o outro. Além disso, fica incapaz de estabelecer vínculos por faltar-lhe o elemento individual para perceber o mundo. O prejuízo da alma é, também, um prejuízo para a consciência e, conseqüentemente, um reforço à inconsciência.
Em ampliação ao tema, Qualls-Corbett (1990) distingue a mulher psicologicamente madura da imatura, sendo que a primeira serve ao amor e a segunda quer ser servida por ele. A mulher madura vive a sua vida sexual e instintiva de forma responsável e consciente e não apenas para obter uma gratificação pessoal. A paixão e a sexualidade, por exemplo, podem ser experimentadas pela mulher madura, como experiência física e espiritual ao mesmo tempo, como uma forma de conexão.
A autora afirma que a mulher que não consegue diferenciar-se, afastando-se da raiz materna, tende a encontrar maior dificuldade na discriminação e usa o sexo para reverenciar o corpo, numa relação auto-erótica, na tentativa de tornar-se consciente de si própria e resgatar sua identidade individual. Qualls-Corbett refere que “a consciência da natureza feminina começa na profunda valorização e na devoção zelosa ao corpo” (1990, p. 156).
À medida que a personalidade diferencia-se, começa a surgir uma identidade própria, acarretando em uma maior autonomia do sujeito.
As vivências do passado, com as personagens do passado ajudam a montar a nossa história pessoal. Entretanto, alguns eventos caracterizados por forte carga emocional e, muitas vezes traumáticos, tornam-se muito onerosos para serem sustentados pela consciência.
Assim, na estrutura de um complexo, podem-se encontrar elementos de configuração psíquica dotados de forte carga emocional e que são incompatíveis com a atitude habitual da consciência. Por estar imerso no inconsciente, o complexo tem um grau elevado de autonomia e, por isso, nem sempre está sujeito ao controle da consciência, podendo, muitas vezes, comportar-se como outro no indivíduo levando-o a agir de forma muito diversa da habitual (Jung, 1928/1991).
O autor afirma que quando um complexo está ativo, há na consciência um estado de perturbação, pois ele comporta-se como uma entidade autônoma que se compraz em confundir e atrapalhar a consciência. Nesse momento, o complexo é dominante e, de modo geral, há por parte do indivíduo inconsciência acerca deles, o que atribui, ao complexo, uma liberdade ainda maior.
Jung (1928/1991) detectou no complexo uma forte carga de energia, que supera em muito os propósitos conscientes. Quando está ativo, ou constelado, o complexo retira a liberdade do indivíduo, que passa a agir orientado por ele. Em sua origem, o autor detectou nos complexos aspectos parciais e dissociados da psique, que se formam a partir de situações traumáticas ou, pelo menos, marcantes. Eles fazem parte do psiquismo de todos os indivíduos e estão ligados, em seu valor, às questões que nos dão medo ou fascinam. “A liberdade do eu cessa onde começa a esfera dos complexos” (p. 106).
Stein (2000) salienta que a psique é repleta de diversos complexos que vão se formando no decorrer do desenvolvimento da personalidade. A severidade do complexo dependerá da quantidade de energia psíquica que nele estiver contida. Os complexos são entidades psíquicas que atuam fora da consciência e, ao mesmo tempo, em torno da consciência do ego. Quando constelados, ou ativos, podem apontar, no sujeito, seus problemas emocionais mais sérios, sendo capazes de trazer perturbações à consciência. Pela perda de autonomia, imposta pela constelação do complexo, o sujeito reage de forma bastante previsível evidenciando, sempre, em seu comportamento, uma reação emocional como resposta, fazendo com que perca o controle sobre si próprio. Dessa maneira agirá por impulso e irracionalmente, vendo-se, assim, impotente para abster-se deste comportamento, pois uma força intrapsíquica é convocada à ação.
O complexo não é patológico em si. A patologia dependerá da consciência do indivíduo sobre seu complexo. Todas as pessoas os carregam e esses são fundamentais para manter o dinamismo da atividade psíquica.
Conforme Stein (2000), os complexos, além de servirem como recipiente para as experiências de forte carga emocional, que estão afastadas da consciência, caracteriza-se, também, por conterem um componente arquetípico, isto é, inato, primitivo. Todo o complexo tem um núcleo arquetípico. O complexo materno é apenas um entre tantos outros que integram a psique. Cada um atua a seu modo, de maneira coerente ao conteúdo que carrega em si. O complexo materno é fundamentado pela experiência com a mãe e quando constelado age em sua especificidade, levando ao ego informações da mãe, carregadas de afetividade.
O complexo materno remonta a fase mais infantil e primitiva do ego e, em suas implicações pode atrapalhar ou até impedir a aquisição de uma identidade verdadeira, bem como o reconhecimento do indivíduo sobre si mesmo. Quando ativo e inconsciente o complexo materno leva a uma fixação na mãe e acarreta impedimento de o sujeito seguir adiante em busca de sua auto-realização. O complexo materno nem sempre é detectado facilmente, portanto, freqüentemente não é caracterizado como desvio patológico e sua atuação pode ser apreendida de diferentes formas, em diferentes fases da vida e, inclusive, pode causar muitos empecilhos na vida relacional (Portillo, 2004).
Em relação aos seus efeitos, Jung (1934/2000a) esclarece que o arquétipo materno é a base para o complexo materno e que a mãe está ativamente presente na origem da perturbação. O complexo materno ocorre tanto no filho quanto na filha. Entretanto, seus efeitos aparecem de modo diverso quando se manifestam em um e em outro. Na filha, o complexo materno pode se apresentar na forma de uma intensificação dos instintos provindos da mãe, ou na atrofia e, até mesmo, na extinção dos instintos. No primeiro caso há a indiferenciação, isto é, a inconsciência da filha a respeito de sua própria identidade e, no segundo caso, uma projeção dos instintos sobre a mãe. De qualquer modo, em ambos os casos, há uma inconsciência, por parte da mulher, a respeito de si mesma.
Por estar associado à psicopatologia, o complexo carrega uma conotação negativa. No entanto, com um olhar mais amplo pode-se, também, encontrar seus aspectos positivos.
O mesmo autor afirma que quando há uma hipertrofia do instinto maternal, como aspecto negativo, tem-se uma mulher cujos interesses ficam restritos a conceber e parir. A relação com um homem fica em segundo plano, na qual este é apenas um instrumento para a procriação e alguém para ser cuidado junto com as crianças que forem geradas. Se não for capaz de gerar filhos, cuidará de parentes, da casa, de animais, enfim, ocupar-se-á dos outros. Sua vida é vivida nos outros e as relações são estabelecidas sob a forma de poder. Por estar identificada com os outros, permanece freqüentemente, inconsciente de sua personalidade. Quanto mais inconsciente estiver sobre a sua personalidade, maior e mais violenta será sua vontade inconsciente de poder.
Outra variedade possível de complexo materno na mulher é o que Jung (1934/2000a) chamou de exacerbação de Eros. Nesta categoria há uma diminuição importante do instinto materno, o que segundo o autor, leva a filha a uma relação incestuosa com o pai e de repulsa com a mãe, situação que é provocada pela ênfase exagerada sobre a personalidade do outro. Na vida adulta, uma mulher que tenha desenvolvido esse tipo de complexo, tenderá a buscar relações com homens casados, não por eles, mas no sentido de perturbar o casamento. Ao conquistar seu objetivo, por falta de instinto materno, perde o interesse e uma nova busca é iniciada.
A identificação com a mãe é outra possibilidade do complexo materno. Nesse caso, devido a um bloqueio da própria iniciativa do feminino, a filha projeta sua personalidade sobre a mãe em razão de estar inconsciente de seu mundo instintivo materno e de seu eros. A filha tende a supervalorizar e a idealizar a mãe como modelo e, inevitavelmente, passa a experimentar sentimentos de inferioridade. Na vida adulta, são mulheres que vivem uma existência à sombra de alguém, inconscientes de si; no casamento captam as projeções masculinas para a total satisfação do homem em detrimento de suas necessidades pessoais (1934/2000a).
Há, ainda, em um estágio intermediário, o que Jung (1934/2000a) chamou de defesa contra a mãe, isto é, uma defesa contra a supremacia da mãe, na qual, vale qualquer coisa, exceto ser como é a mãe. Esse é um caso típico do complexo materno negativo. A filha luta para não ser como a mãe, no entanto não sabe quem é ela própria e, nesse conflito, permanece inconsciente a respeito de sua própria personalidade. Seus instintos concentram-se na defesa contra a mãe e, desse modo, há prejuízo na construção de uma identidade autêntica e da autonomia. A resistência contra a mãe pode manifestar-se sob a forma de distúrbios da menstruação, dificuldades para engravidar ou repulsa pela gravidez, falta de interesse por tudo o que representa família e convenções. Em contrapartida, há uma compensação desta atitude para um investimento na vida racional, objetivando a criação de um espaço onde a mãe não possa existir, com a ênfase em seus masculinos e na ruptura do poder materno através da intelectualidade.
Conforme mencionado anteriormente, assim como todo o complexo, este também apresenta seus aspectos positivos. No caso da hipertrofia do instinto, o lado positivo do complexo pode expressar-se na forma de amor materno, que carrega força motriz e representa a raiz construtiva da transformação e da capacidade de cuidado consigo mesma e com o outro. Na exacerbação do eros, há a possibilidade de, como elemento perturbador, a mulher possa ser perturbada e, dessa forma, seja transformada, adquirindo consciência de si mesma. Já no tipo de mulher identificada com a mãe, quando desempenhar um papel para o marido (projeção da anima do marido), há a probabilidade de que, extrapolando seu limite, consiga descobrir quem realmente é. Jung afirma que “um complexo é superado quando a vida o esgota até o fim” (1934/2000a, p. 107).
O perigo do complexo materno ocorre quando a mulher não consegue transformar sua inconsciência em consciência de sua feminilidade e de sua personalidade. Quando uma mulher fica presa na inconsciência, torna-se inimiga do que for desconhecido e ambíguo e tenta organizar sua vida em um plano seguro, objetivo e na clareza de julgamento. Essa atitude fere o mundo instintivo, pois quando nega a mãe, repudia tudo o que está em sua esfera inconsciente.
Evidencia-se, então, a importância da relação estabelecida entre mãe e filha na construção da personalidade. Vemos o quão impeditivo pode se tornar um complexo constelado na construção de um feminino consciente. Mas, se o complexo é inerente ao psiquismo humano, se é responsável pelo dinamismo psíquico e, ainda, se é passível de implicações positivas e negativas, que mecanismo é este que pode levar a mulher tanto à diluição quanto à aquisição de um feminino consciente?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Talvez possamos pensar que, se cada pessoa tem um mito pessoal, uma predisposição arquetípica que lhe confere um padrão de funcionamento, uma forma específica de relacionar-se, de perceber o mundo, de estabelecer julgamentos e de resolver problemas, cada um também tem uma maneira específica de lidar com o seu complexo. Assim, a influência do complexo materno deverá ser examinada, em seus aspectos positivos ou negativos, assim como – ou principalmente – sob o ponto de vista da predisposição daquela pessoa. A psicologia analítica de Jung compreende que ao nascer, o ser humano traz consigo uma predisposição pessoal, indicando que há uma direção específica e individual para cada pessoa. O Self indica a direção e cabe ao ego realizá-lo; a família é a mola propulsora, que favorável ou não, auxilia o indivíduo a buscar sua individuação.
Ao descobrir seu mito pessoal o indivíduo entende melhor a si mesmo. Com o olhar sobre este mito, ele compreende como tende a comportar-se frente à vida. Desse modo, adquirindo discernimento em relação a suas tendências e escolhas, o indivíduo poderá perceber o que precisa para compensar o vazio que carrega na alma. Tal compreensão o capacitará na busca de saídas mais criativas e de novas atitudes, ativando, assim, arquétipos complementares e promovendo a ampliação da consciência.
Sabe-se que é impossível extinguir por completo o complexo materno. Entretanto, ele se modificará e será integrado ao consciente na medida em que for vivenciado conscientemente e quando houver um diálogo do ego com componentes do complexo. O arquétipo é considerado como o elemento central do complexo, e para alcançar a transformação do complexo é necessário alcançar o núcleo arquetípico, caracterizado por imagens e representações mitológicas. É nessa relação do ego com as imagens arquetípicas trazidas pelos complexos - mitos - que pode haver a diluição deste, produzindo um efeito positivo na relação da mulher consigo mesma e com o mundo.
No diálogo do ego com as fantasias e as imagens, advindas do complexo, é estabelecida uma relação com o inconsciente e, neste contato, tem-se a oportunidade de ser construída uma identidade mais consciente, além de uma abertura para a auto-realização.
Assim, a influência do complexo materno na emergência de uma identidade feminina consciente, dependerá muito das condições pessoais que a mulher disponha para encontrar saída criativa para sua vida. A transformação da inconsciência em consciência dependerá, muito mais, da capacidade da mente consciente compreender, assimilar e integrar o complexo, do que da qualidade da relação que foi estabelecida com a mãe real.
Acredito que o preço mais alto, para a mulher, no aprisionamento pelo complexo materno é o impedimento de uma identidade própria, a permanência na inconsciência, o desconhecimento das suas próprias necessidades e a conseqüência desastrosa de apenas passar pela vida, sem significado e sem alma.
É de extrema importância para a mulher, encontrar recursos para resgatar-se do estado sonambúlico de inconsciência, enquanto emaranhada no complexo materno. E, é através do reconhecimento dos padrões arquetípicos que nela atuam e do entendimento dos efeitos que o complexo materno possa estar imprimindo em sua vida, que ela poderá encontrar saídas para as dificuldades que enfrenta. Resgatando-se da inconsciência viverá de maneira mais gratificante e articulada com a profundidade de seu ser.
Da mesma forma, é fundamental que essa idéia possa se estender aos consultórios analíticos, para que os terapeutas possam atuar como fio condutor, como auxiliares na realização da grande personalidade, o Self, no desabrochar de um feminino consciente.
© Joyce Lessa Werres 2004.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Acessado em: 28/09/10

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