O COMPLEXO MATERNO E O
FEMININO EMERGENTE.
RESUMO
A finalidade deste artigo é compreender a influência do complexo materno
na emergência do feminino, ou seja, de que forma o complexo materno suscita
habilidades ou deficiências na maneira de a mulher experienciar o mundo.
Tenho como objetivo entender que recursos uma mulher encontra para
enfrentar sua realidade objetiva quando há indicadores da interferência de um
complexo materno. Busco, também, conhecer quais as soluções a mulher tende
buscar para sua vida e qual o significado que dá às escolhas que faz. Para
isso, utilizo o referencial junguiano.
PALAVRAS-CHAVE
Arquétipo; feminino; complexo materno; mito.
ABSTRACT
The purpose of this paper
is to understand the influence of the maternal complex in the emergency of
the feminine, that is, how does the maternal complex raises abilities or
deficiencies in the woman's way of experiencing the life.
It looks for an
understanding of the means the woman resorts to in order to face her
objective reality when undergoing interferences of the maternal complex. A
quest is also made into to the solutions the woman is to likely to adopt for
her life and what is her own analysis of her choices. The study
follows the jungian approach.
KEY WORDS
Archetype; feminine; complex
motherly; myth.
O COMPLEXO MATERNO E O FEMININO EMERGENTE.
INTRODUÇÃO
A justificativa desse estudo está em ampliar o conhecimento acerca da
integridade da vida individual e coletiva do feminino, através do
reconhecimento e do significado dos temas arquetípicos e da influência do
complexo materno na mulher. Serão levadas em consideração as perspectivas
individuais e coletivas, pelo fato de serem inerentes, respectivamente, à
estrutura dos complexos e dos arquétipos.
A discussão, que abordo a seguir, sobre os conceitos de arquétipo,
feminino, complexo materno e mito serve como base para o entendimento deste
trabalho.
No sentido platônico, arquétipo seria uma “idéia” preexistente. Contudo,
no decorrer histórico, essa idéia adquiriu caráter secundário, uma vez que,
na ciência foi havendo uma crescente valorização da mente científica e uma
relevância do empirismo, o qual considera tudo o que vem de fora e que pode
ser verificável como tendo real valor. Mais tarde, Kant apresenta
modificações para a concepção de empirismo e, de certa forma, revive a
“idéia” platônica, esclarecendo que qualquer conhecimento empírico está,
antes de qualquer coisa, ligado à uma idéia preexistente (Jung, 1934/2000a).
Deste modo, tendo sido fortemente influenciado pela filosofia, Jung
constrói sua idéia de arquétipo como uma estrutura psíquica. Em 1919 Jung
introduziu o conceito de arquétipo, trazendo a idéia de que as imagens
primordiais humanas são transmitidas ou herdadas. Em seus escritos,
caracteriza o arquétipo como “sistemas vivos de reação e prontidão que, por
via invisível e, por isso mais eficiente ainda, determina a vida individual”
(1921/1991, p. 173).
O arquétipo é um conceito formal, um arcabouço, preenchido com idéias,
temas e vivências. A forma do arquétipo é herdada, mas o conteúdo não, pois
não depende de mudanças históricas e ambientais, sendo, sempre determinado
pelo indivíduo. É importante, também, salientar que, em suas polaridades,
todos os arquétipos contêm, em si, um aspecto sadio e um patológico (Jung,
1934/2000a).
Para conceituar o arquétipo, Jung (1921/1991) referiu-se a vias herdadas
que conferem ao ser humano um padrão de comportamento, como uma espécie de norma
biológica na atividade psíquica. Pelo arquétipo, percebe-se que há um
fator independente da experiência em nossa atividade humana, o qual é
estrutural e inato na psique, sendo, dessa forma, pré-consciente e
inconsciente. Os arquétipos, por serem estruturas universais, estão imersos
no inconsciente coletivo e atuam alternadamente na personalidade do
indivíduo. Há, portanto, correspondência entre o inconsciente coletivo e o
indivíduo.
O autor enfatiza que, na infância, logo que começam as primeiras
manifestações visíveis da vida psíquica, podem-se observar as
particularidades de uma personalidade singular. Têm-se, assim, os aspectos
individuais e coletivos funcionando em consonância.
Outros elementos consonantes são mitos e arquétipos. Os mitos fazem parte
da história da humanidade e são representados por meio de manifestações
arquetípicas no indivíduo, isto é, são a expressão do imaginário e a
evidência dos arquétipos que em si, são incognoscíveis. O mito permanece
sempre um mito e Jung (1935/2000b) menciona que este tende a transformar-se
no decorrer do tempo, quando deixa de ser um objeto de fé. Desta forma, o
mito precisa ser recontado para que seja reavivado em uma nova interpretação.
De acordo com o autor, a introspecção nos insere no mundo mítico e através
do mito, entendemos o cotidiano. Os mitos não são, portanto, idéias, mas
dados instintivos que funcionam como uma espécie de padrão de comportamento
mental que faz parte da natureza humana.
Seabra (2003) enfatiza que os mitos são histórias verdadeiras e refletem a
camada mais profunda e perene do psiquismo humano. 0 mito é um dos acessos à
realidade arquetípica, sua história é nossa antes de a termos conhecido.
Entramos no mito toda vez que em nossa vida nos confrontamos com o que está
no inconsciente coletivo. A autora relata, ainda, que mito e cotidiano estão
entrelaçados e nos tocam por terem características tanto positivas como
negativas.
Do ponto de vista de Pieri (2002), Jung considera o mito uma forma de
pensamento autônomo e de organização cognitiva do mundo. Nos mitos estão
inscritos em códigos todo o conhecimento e a competência que o homem já
experimentou, em uma linha de tempo e espaço que se traduz como “desde
sempre”. O mito é o emblema da atividade psíquica e a demonstração do
inconsciente coletivo e de seus respectivos arquétipos.
Conforme Neumann (2001), a psicologia analítica entende o arquétipo como
algo dinâmico, com componentes emocionais e simbólicos em sua estrutura. Por
dinâmica, entende-se a influência dos arquétipos na psique e sobre nossas
emoções, nossos sentimentos e nossas projeções que uma vez ativados, podem
tomar conta da personalidade, mesmo sem a aquiescência da consciência. O
comportamento humano inconsciente é determinado pela dinâmica do arquétipo.
Já o caráter simbólico da psique tem como característica, gerar imagens que
atuam profundamente sobre a consciência, suscitando a atenção desta para que
seu efeito seja eficaz e gere transformações.
Samuels (1989) explica que os arquétipos também são vistos como entidades
psicossomáticas, ocupando uma posição intermediária entre instinto e imagem.
Dessa forma, tendo o homem instinto de sobrevivência, também é compelido a
tornar-se mais verdadeiro.
Jung (1928/1991) refere-se à psique como auto-reguladora, pois ela tende a
distribuir sua energia, buscando equilíbrio e levando o indivíduo a tornar-se
mais autêntico e realizado. A imagem arquetípica representa e evoca o
instinto, e o arquétipo determina a natureza do processo de configuração e o
rumo que ele seguirá, objetivando a auto-regulação. Se todo o fundamento da
experiência humana está nos arquétipos, então se pode depreender a imensidade
do mundo arquetípico. O arquétipo materno é apenas um deles; no qual me
deterei, adiante, para trazer maiores subsídios ao tema deste artigo.
Esclareço que, quando tratar do arquétipo materno estarei me referindo a
uma imagem interna atuando na psique e não a algo literal.
Como todo o arquétipo, o arquétipo da grande mãe tem em suas polaridades,
tanto aspectos positivos quanto negativos, que pode apresentar-se de inúmeras
formas, revestido por uma infinidade de imagens. Jung (1934/2000a) menciona
que as representações mais características são: a mãe e a avó, a madrasta, a
sogra, a ama de leite, mulheres com quem nos relacionamos. No sentido de uma
transferência mais elevada temos a mãe de Deus; em um sentido mais amplo a
igreja, a terra, a matéria, o mundo subterrâneo, a lua; em sentido mais
restrito, o jardim, a gruta, o poço profundo; e restringindo ainda mais temos
o útero, as formas ocas, o forno, o caldeirão e o túmulo, entre outros.
Assim como os arquétipos, os símbolos também apresentam, em seus extremos,
aspectos duais, positivos e negativos. Dessa forma, são atribuídas ao
arquétipo da mãe características tanto de acolhimento, cuidado, sabedoria e
suporte, como aterrorizantes, obscuras, devoradoras e advindas do mundo
dos mortos (Jung, 1934/2000a).
Na figura da mãe, a imagem varia conforme a experiência individual, onde a
predominância, aparentemente, parece ser a da mãe pessoal. Não obstante, é do
arquétipo projetado na mãe pessoal que surgem os efeitos positivos ou
negativos que se refletem nesta. Portanto, os eventos traumáticos, marcados
no indivíduo, dão-se muito mais pelas projeções arquetípicas do que pela
relação estabelecida com a mãe real, uma vez que as fantasias, freqüentemente
superam a ação desta (1934/2000a).
Neste momento, é importante salientar algumas questões relativas ao
desenvolvimento da personalidade. No início, apesar de ser ativo, o bebê está
numa relação de identidade com a mãe - estágio apontado por Neumann (1990) de
urubórico - caracterizado por um pré-ego, que consiste em um estado de
onipotência infantil, de uma falta do sentido de limite, numa etapa
caracterizada pela inconsciência e pelo desejo de fusão com uma mãe. Esse
período diz respeito a uma fase denominada como participação mística, que se
assemelha à mente comunitária, termo da antropologia que define o
relacionamento com um objeto do qual o sujeito não pode ser distinguido. Jung
tomou este conceito emprestado e empregou-o como sendo a condição psíquica da
criança que vive em um estado de identificação com o ambiente psíquico dos
pais.
Os mecanismos psicológicos primários, ou primitivos, levam a um estado de
identificação com o outro e exigem mecanismos intricados para que o ego possa
desenvolver-se. A divisão é um destes mecanismos e refere-se à separação em
relação à imagem da mãe, referida como “mãe-dual” por ter tanto o aspecto
pessoal, como o arquetípico; o real e o simbólico; bom e mau (Neumann 1990).
Essa fase, de indiferenciação, estende-se na criança até, mais ou menos,
cinco anos de idade, para depois começar a dar espaço a uma noção maior do
eu. Contudo, a condição de indiferenciação, na medida em que se estenda pelo
decorrer da vida, impossibilita o processo de construção do eu.
Aquele que vive em participação mística não se diferencia do ambiente em
que vive nem daqueles com quem convive. O que ocorre com o outro é sentido
como sendo dele próprio, pois quando ainda não há consciência do eu
separado das outras coisas, impera a indiferenciação (Malandrino 2000).
Feita esta ampliação acerca do desenvolvimento da personalidade, voltarei
ao tema arquetípico, trazendo uma noção do arquétipo do feminino, que se
desdobra do arquétipo da mãe.
Junto ao arquétipo da mãe, está entremeado, o arquétipo do feminino, que
exerce influências tanto no homem como na mulher. No homem, esse aspecto
feminino, foi denominado por Jung (1921/1991) como anima e tem a função de
relação no homem com sua própria feminilidade, seus sentimentos, sua
espiritualidade, que são delineados tanto pela experiência arquetípica quanto
pela vivência pessoal que ele tem do feminino.
Em relação à mulher, o feminino implica nas situações da vivência com o
próprio corpo e influencia na relação com o outro. A vivência do corpo é a
mais concreta de nossas experiências. Entretanto, ao mesmo tempo em que
lidamos com o biológico, nele está implícito o desconhecido e o obscuro, que
carregam, em si, todo o mistério e o mundo instintivo do inconsciente.
Havas (1996) assinala que o princípio do feminino está enraizado e
desenrola-se do arquétipo da mãe. Enquanto este leva a um estado de
indiferenciação e de inconsciência, que impede a discriminação entre o eu e o
tu, aquele garante um tipo de identidade feminina consciente, que remete a
uma relação criativa com o corpo, acolhendo e nutrindo, numa relação de
cuidado e atenção consigo própria e, conseqüentemente, numa inclusão madura
no mundo. Há no arquétipo do feminino uma função discriminatória, que serve
como base para a construção de uma identidade fundamentada em uma noção
ampliada do eu.
A mulher surge de uma matriz na qual percebe semelhanças consigo mesma. O
modelo feminino para uma menina é a sua mãe, ou uma figura que lhe substitua.
Nesse modelo estão agregados tanto o arquétipo da mãe quanto o do feminino e
é no encontro destes, na vivência com a mãe real, que ocorrerão as impressões
daquela futura mulher a respeito de si e do mundo. Benedito (1996) salienta
que, para a mulher, a sua experiência arquetípica e pessoal, na origem,
assemelha-se à da mãe pessoal, com quem acontece a primeira relação de
intimidade. O feminino abarca tanto uma experiência arquetípica como uma
vivência pessoal e, dependendo destes fatores, poderá ser positiva ou
negativa.
Conforme Neumann (2001), existem duas distinções básicas que caracterizam
o feminino - que estão em relação mútua e se interpenetram, convivendo ou
hostilizando-se e, ao mesmo tempo, sendo essenciais à sua natureza - o
caráter elementar e o caráter de transformação do feminino. O caráter
elementar do feminino tem como característica mais marcante a conservação do
que está estabelecido. Essa característica é natural na infância, em função
de ser mais forte quando a inconsciência é predominante. O caráter de
transformação do feminino, contrário ao caráter elementar, remete a um
movimento psíquico, acarretando na transformação do indivíduo. Este, em um
primeiro momento, está submetido àquele, para na em medida que comece a haver
uma diferenciação entre o eu e o outro, o sujeito adquira maior autonomia e
independência.
Faria & Nicoletti (2002) acreditam que o caráter elementar tende a
conservar, para si, aquilo que lhe deu origem - a mãe. Como resultado, o ego
e a consciência mantêm-se em estado infantil e o inconsciente permanece
dominante. Já o caráter de transformação do feminino contém um aspecto
dinâmico que impele o movimento da libido e leva à transformação o estado
original. Em um primeiro momento, o caráter de transformação é refreado pelo
elementar para que, uma vez surgindo, promova conflito e inquietação, levando
a uma diferenciação da condição original para um estado mais amplo de
autonomia do sujeito.
A predisposição arquetípica, isto é, o conteúdo do arquétipo que é
particular ao indivíduo, tem importante influência no que diz respeito ao
caráter de transformação. Se houver uma fixação em algum aspecto da
experiência de vida, onde o indivíduo fique preso, terá maior dificuldade em
afastar-se da condição original e, por conseguinte, de transformar-se.
Conseqüentemente, é necessário que haja uma separação da grande mãe, para
que seja construída uma identidade feminina na mulher. Esse afastamento da
grande raiz materna dá origem a uma personalidade almada e com uma
permeabilidade maior entre o inconsciente coletivo e a subjetividade
individual (Neumann, 2001). A referência feita à alma, anteriormente, diz
respeito à idéia trazida por Jung (1928/1991), de que é a alma quem nos faz
perceber o mundo e, em razão disto, torna-se indispensável para o
estabelecimento de vínculos. A alma opera como um elo de ligação entre o indivíduo
e o mundo e está vinculada à identidade pessoal. A perda da alma implica em
um desajustamento do ser humano com o seu próprio processo de aquisição de
consciência.
Sem alma, não há processo de individuação, pois não pode haver relação,
nem vertical, nem horizontalmente, isto é, sem alma o indivíduo não pode se
relacionar nem consigo próprio, nem com o outro. Além disso, fica incapaz de
estabelecer vínculos por faltar-lhe o elemento individual para perceber o
mundo. O prejuízo da alma é, também, um prejuízo para a consciência e,
conseqüentemente, um reforço à inconsciência.
Em ampliação ao tema, Qualls-Corbett (1990) distingue a mulher
psicologicamente madura da imatura, sendo que a primeira serve ao amor e a
segunda quer ser servida por ele. A mulher madura vive a sua vida sexual e
instintiva de forma responsável e consciente e não apenas para obter uma
gratificação pessoal. A paixão e a sexualidade, por exemplo, podem ser
experimentadas pela mulher madura, como experiência física e espiritual ao mesmo
tempo, como uma forma de conexão.
A autora afirma que a mulher que não consegue diferenciar-se, afastando-se
da raiz materna, tende a encontrar maior dificuldade na discriminação e usa o
sexo para reverenciar o corpo, numa relação auto-erótica, na tentativa de
tornar-se consciente de si própria e resgatar sua identidade individual.
Qualls-Corbett refere que “a consciência da natureza feminina começa na
profunda valorização e na devoção zelosa ao corpo” (1990, p. 156).
À medida que a personalidade diferencia-se, começa a surgir uma identidade
própria, acarretando em uma maior autonomia do sujeito.
As vivências do passado, com as personagens do passado ajudam a montar a
nossa história pessoal. Entretanto, alguns eventos caracterizados por forte
carga emocional e, muitas vezes traumáticos, tornam-se muito onerosos para
serem sustentados pela consciência.
Assim, na estrutura de um complexo, podem-se encontrar elementos de
configuração psíquica dotados de forte carga emocional e que são
incompatíveis com a atitude habitual da consciência. Por estar imerso no
inconsciente, o complexo tem um grau elevado de autonomia e, por isso, nem
sempre está sujeito ao controle da consciência, podendo, muitas vezes,
comportar-se como outro no indivíduo levando-o a agir de forma muito diversa
da habitual (Jung, 1928/1991).
O autor afirma que quando um complexo está ativo, há na consciência um
estado de perturbação, pois ele comporta-se como uma entidade autônoma que se
compraz em confundir e atrapalhar a consciência. Nesse momento, o complexo é
dominante e, de modo geral, há por parte do indivíduo inconsciência acerca
deles, o que atribui, ao complexo, uma liberdade ainda maior.
Jung (1928/1991) detectou no complexo uma forte carga de energia, que
supera em muito os propósitos conscientes. Quando está ativo, ou constelado,
o complexo retira a liberdade do indivíduo, que passa a agir orientado por
ele. Em sua origem, o autor detectou nos complexos aspectos parciais e
dissociados da psique, que se formam a partir de situações traumáticas ou,
pelo menos, marcantes. Eles fazem parte do psiquismo de todos os indivíduos e
estão ligados, em seu valor, às questões que nos dão medo ou fascinam. “A
liberdade do eu cessa onde começa a esfera dos complexos” (p. 106).
Stein (2000) salienta que a psique é repleta de diversos complexos que vão
se formando no decorrer do desenvolvimento da personalidade. A severidade do
complexo dependerá da quantidade de energia psíquica que nele estiver
contida. Os complexos são entidades psíquicas que atuam fora da consciência
e, ao mesmo tempo, em torno da consciência do ego. Quando constelados, ou
ativos, podem apontar, no sujeito, seus problemas emocionais mais sérios,
sendo capazes de trazer perturbações à consciência. Pela perda de autonomia,
imposta pela constelação do complexo, o sujeito reage de forma bastante
previsível evidenciando, sempre, em seu comportamento, uma reação emocional
como resposta, fazendo com que perca o controle sobre si próprio. Dessa
maneira agirá por impulso e irracionalmente, vendo-se, assim, impotente para
abster-se deste comportamento, pois uma força intrapsíquica é convocada à
ação.
O complexo não é patológico em
si. A patologia dependerá da consciência do indivíduo sobre
seu complexo. Todas as pessoas os carregam e esses são fundamentais para
manter o dinamismo da atividade psíquica.
Conforme Stein (2000), os complexos, além de servirem como recipiente para
as experiências de forte carga emocional, que estão afastadas da consciência,
caracteriza-se, também, por conterem um componente arquetípico, isto é,
inato, primitivo. Todo o complexo tem um núcleo arquetípico. O complexo
materno é apenas um entre tantos outros que integram a psique. Cada um atua a
seu modo, de maneira coerente ao conteúdo que carrega em si. O complexo materno é
fundamentado pela experiência com a mãe e quando constelado age em sua
especificidade, levando ao ego informações da mãe, carregadas de afetividade.
O complexo materno remonta a fase mais infantil e primitiva do ego e, em
suas implicações pode atrapalhar ou até impedir a aquisição de uma identidade
verdadeira, bem como o reconhecimento do indivíduo sobre si mesmo. Quando
ativo e inconsciente o complexo materno leva a uma fixação na mãe e acarreta
impedimento de o sujeito seguir adiante em busca de sua auto-realização. O
complexo materno nem sempre é detectado facilmente, portanto, freqüentemente
não é caracterizado como desvio patológico e sua atuação pode ser apreendida
de diferentes formas, em diferentes fases da vida e, inclusive, pode causar
muitos empecilhos na vida relacional (Portillo, 2004).
Em relação aos seus efeitos, Jung (1934/2000a) esclarece que o arquétipo
materno é a base para o complexo materno e que a mãe está ativamente presente
na origem da perturbação. O complexo materno ocorre tanto no filho quanto na
filha. Entretanto, seus efeitos aparecem de modo diverso quando se manifestam
em um e em outro. Na
filha, o complexo materno pode se apresentar na forma de uma intensificação
dos instintos provindos da mãe, ou na atrofia e, até mesmo, na extinção dos
instintos. No primeiro caso há a indiferenciação, isto é, a inconsciência da
filha a respeito de sua própria identidade e, no segundo caso, uma projeção
dos instintos sobre a mãe. De qualquer modo, em ambos os casos, há uma inconsciência,
por parte da mulher, a respeito de si mesma.
Por estar associado à psicopatologia, o complexo carrega uma conotação
negativa. No entanto, com um olhar mais amplo pode-se, também, encontrar seus
aspectos positivos.
O mesmo autor afirma que quando há uma hipertrofia do instinto maternal,
como aspecto negativo, tem-se uma mulher cujos interesses ficam restritos a
conceber e parir. A relação com um homem fica em segundo plano, na qual este
é apenas um instrumento para a procriação e alguém para ser cuidado junto com
as crianças que forem geradas. Se não for capaz de gerar filhos, cuidará de
parentes, da casa, de animais, enfim, ocupar-se-á dos outros. Sua vida é
vivida nos outros e as relações são estabelecidas sob a forma de poder. Por
estar identificada com os outros, permanece freqüentemente, inconsciente de
sua personalidade. Quanto mais inconsciente estiver sobre a sua
personalidade, maior e mais violenta será sua vontade inconsciente de poder.
Outra variedade possível de complexo materno na mulher é o que Jung
(1934/2000a) chamou de exacerbação de Eros. Nesta categoria há uma diminuição
importante do instinto materno, o que segundo o autor, leva a filha a uma
relação incestuosa com o pai e de repulsa com a mãe, situação que é provocada
pela ênfase exagerada sobre a personalidade do outro. Na vida adulta, uma
mulher que tenha desenvolvido esse tipo de complexo, tenderá a buscar
relações com homens casados, não por eles, mas no sentido de perturbar o
casamento. Ao conquistar seu objetivo, por falta de instinto materno, perde o
interesse e uma nova busca é iniciada.
A identificação com a mãe é outra possibilidade do complexo materno. Nesse
caso, devido a um bloqueio da própria iniciativa do feminino, a filha projeta
sua personalidade sobre a mãe em razão de estar inconsciente de seu mundo
instintivo materno e de seu eros. A filha tende a supervalorizar e a
idealizar a mãe como modelo e, inevitavelmente, passa a experimentar
sentimentos de inferioridade. Na vida adulta, são mulheres que vivem uma existência
à sombra de alguém, inconscientes de si; no casamento captam as projeções
masculinas para a total satisfação do homem em detrimento de suas
necessidades pessoais (1934/2000a).
Há, ainda, em um estágio intermediário, o que Jung (1934/2000a) chamou de defesa
contra a mãe, isto é, uma defesa contra a supremacia da mãe, na qual, vale
qualquer coisa, exceto ser como é a mãe. Esse é um caso típico do complexo
materno negativo. A filha luta para não ser como a mãe, no entanto não sabe
quem é ela própria e, nesse conflito, permanece inconsciente a respeito de
sua própria personalidade. Seus instintos concentram-se na defesa contra a
mãe e, desse modo, há prejuízo na construção de uma identidade autêntica e da
autonomia. A resistência contra a mãe pode manifestar-se sob a forma de
distúrbios da menstruação, dificuldades para engravidar ou repulsa pela
gravidez, falta de interesse por tudo o que representa família e convenções.
Em contrapartida, há uma compensação desta atitude para um investimento na
vida racional, objetivando a criação de um espaço onde a mãe não possa
existir, com a ênfase em seus masculinos e na ruptura do poder materno
através da intelectualidade.
Conforme mencionado anteriormente, assim como todo o complexo, este também
apresenta seus aspectos positivos. No caso da hipertrofia do instinto, o lado
positivo do complexo pode expressar-se na forma de amor materno, que carrega
força motriz e representa a raiz construtiva da transformação e da capacidade
de cuidado consigo mesma e com o outro. Na exacerbação do eros, há a
possibilidade de, como elemento perturbador, a mulher possa ser perturbada e,
dessa forma, seja transformada, adquirindo consciência de si mesma. Já no
tipo de mulher identificada com a mãe, quando desempenhar um papel para o marido
(projeção da anima do marido), há a probabilidade de que, extrapolando seu
limite, consiga descobrir quem realmente é. Jung afirma que “um complexo é
superado quando a vida o esgota até o fim” (1934/2000a, p. 107).
O perigo do complexo materno ocorre quando a mulher não consegue
transformar sua inconsciência em consciência de sua feminilidade e de sua
personalidade. Quando uma mulher fica presa na inconsciência, torna-se
inimiga do que for desconhecido e ambíguo e tenta organizar sua vida em um
plano seguro, objetivo e na clareza de julgamento. Essa atitude fere o mundo
instintivo, pois quando nega a mãe, repudia tudo o que está em sua esfera
inconsciente.
Evidencia-se, então, a importância da relação estabelecida entre mãe e
filha na construção da personalidade. Vemos o quão impeditivo pode se tornar
um complexo constelado na construção de um feminino consciente. Mas, se o
complexo é inerente ao psiquismo humano, se é responsável pelo dinamismo
psíquico e, ainda, se é passível de implicações positivas e negativas, que
mecanismo é este que pode levar a mulher tanto à diluição quanto à aquisição
de um feminino consciente?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Talvez possamos pensar que, se cada pessoa tem um mito pessoal, uma
predisposição arquetípica que lhe confere um padrão de funcionamento, uma
forma específica de relacionar-se, de perceber o mundo, de estabelecer
julgamentos e de resolver problemas, cada um também tem uma maneira
específica de lidar com o seu complexo. Assim, a influência do complexo
materno deverá ser examinada, em seus aspectos positivos ou negativos, assim
como – ou principalmente – sob o ponto de vista da predisposição daquela
pessoa. A psicologia analítica de Jung compreende que ao nascer, o ser humano
traz consigo uma predisposição pessoal, indicando que há uma direção
específica e individual para cada pessoa. O Self indica a direção e
cabe ao ego realizá-lo; a família é a mola propulsora, que favorável ou não,
auxilia o indivíduo a buscar sua individuação.
Ao descobrir seu mito pessoal o indivíduo entende melhor a si mesmo. Com o
olhar sobre este mito, ele compreende como tende a comportar-se frente à
vida. Desse modo, adquirindo discernimento em relação a suas tendências e
escolhas, o indivíduo poderá perceber o que precisa para compensar o vazio
que carrega na alma. Tal compreensão o capacitará na busca de saídas mais
criativas e de novas atitudes, ativando, assim, arquétipos complementares e
promovendo a ampliação da consciência.
Sabe-se que é impossível extinguir por completo o complexo materno.
Entretanto, ele se modificará e será integrado ao consciente na medida em que
for vivenciado conscientemente e quando houver um diálogo do ego com
componentes do complexo. O arquétipo é considerado como o elemento central do
complexo, e para alcançar a transformação do complexo é necessário alcançar o
núcleo arquetípico, caracterizado por imagens e representações mitológicas. É
nessa relação do ego com as imagens arquetípicas trazidas pelos complexos -
mitos - que pode haver a diluição deste, produzindo um efeito positivo na
relação da mulher consigo mesma e com o mundo.
No diálogo do ego com as fantasias e as imagens, advindas do
complexo, é estabelecida uma relação com o inconsciente e, neste contato,
tem-se a oportunidade de ser construída uma identidade mais consciente, além
de uma abertura para a auto-realização.
Assim, a influência do complexo materno na emergência de uma identidade
feminina consciente, dependerá muito das condições pessoais que a mulher
disponha para encontrar saída criativa para sua vida. A transformação da
inconsciência em consciência dependerá, muito mais, da capacidade da mente
consciente compreender, assimilar e integrar o complexo, do que da qualidade
da relação que foi estabelecida com a mãe real.
Acredito que o preço mais alto, para a mulher, no aprisionamento pelo
complexo materno é o impedimento de uma identidade própria, a permanência na
inconsciência, o desconhecimento das suas próprias necessidades e a
conseqüência desastrosa de apenas passar pela vida, sem significado e sem
alma.
É de extrema importância para a mulher, encontrar recursos para
resgatar-se do estado sonambúlico de inconsciência, enquanto emaranhada no
complexo materno. E, é através do reconhecimento dos padrões arquetípicos que
nela atuam e do entendimento dos efeitos que o complexo materno possa estar
imprimindo em sua vida, que ela poderá encontrar saídas para as dificuldades
que enfrenta. Resgatando-se da inconsciência viverá de maneira mais
gratificante e articulada com a profundidade de seu ser.
Da mesma forma, é fundamental que essa idéia possa se estender aos
consultórios analíticos, para que os terapeutas possam atuar como fio
condutor, como auxiliares na realização da grande personalidade, o Self, no
desabrochar de um feminino consciente.
© Joyce Lessa Werres 2004.
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